Tese da Corrente Sindical Trabalhadoras e Trabalhadores na Luta Socialista (TLS) ao 16º Congresso da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social.
Uma convergência entre as várias crises do capitalismo (policrise ou crise multidimensional) expõe seu esgotamento. A ruptura metabólica cada vez mais profunda entre a humanidade e o planeta detonou uma crise sanitária, a pandemia da SARS COVID-19, com novas ondas pandêmicas em escala mundial não descartadas, dados os intensos fluxos de circulação global de pessoas e de mercadorias. A superação dos efeitos pandêmicos são incompletos e desiguais, mesclando-se com as crises ambiental, geopolítica, econômica, social e de representação, exibindo as vísceras podres do sistema capitalista.
O colapso socioambiental é iminente, com a destruição de ecossistemas e a migração forçada de grandes contingentes humanos. Para o desastre climático, que coloca o futuro da humanidade em risco, os pretensos donos do poder mundial têm sua solução no capitalismo verde, com a produção de mercadorias isentas de CO2, mais uma tentativa dentro do sistema para manter o insustentável padrão de consumo dos países do centro do capitalismo, enquanto a fome ainda assola uma em cada dez pessoas no mundo. Sobretudo, há um evidente limite nessa opção com a crise das democracias liberais.
Movimentos de extrema direita, com peso de massas e dispostos a destruir os avanços civilizatórios e as conquistas da classe trabalhadora, têm tentado impor regimes ainda mais autoritários. Com uma suposta roupagem antissistema (Trump, Bolsonaro, Meloni, Milei e outros), são uma expressão mais apodrecida do capitalismo na sua forma política e econômica, se sobressaindo num contexto de incapacidade da democracia liberal oferecer uma alternativa consistente para que a classe dominante mantenha o poder das atuais instituições políticas, permeada pela possibilidade de recessão econômica.
O aumento do custo de vida em geral, principalmente dos alimentos e da energia, os efeitos da COVID e as políticas neoliberais de austeridade fiscal, como a recente reforma da previdência francesa, desestruturam sistemas de seguridade social, educação, transporte e habitação, agravam as dificuldades da vida cotidiana da classe trabalhadora, que precisa aceitar empregos com baixos rendimentos, precários e sem proteção social, acentuando as desigualdades. A crise da dívida em países importantes e populosos como Paquistão, Egito e Argentina, a desaceleração da economia da China, além da espiral inflacionária em curso, apontam para uma crise econômica estrutural, com uma possível recessão mundial, em meio a uma guerra sem precedentes na história recente.
A rivalização da China e da Rússia com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, hegemonizada pelos Estados Unidos da América do norte), não deve ser lida como uma reedição do campismo stalinista, um maniqueísmo da geopolítica internacional, pois se trata de uma disputa imperialista pela hegemonia global. Interessa que desde a Crise dos Mísseis de Cuba, não houve ameaças reais de uso de armas nucleares. A invasão imperialista contra a Ucrânia, pela competição entre imperialismos, a disputa do Mar da China e de Taiwan, as intervenções militares na região do Sahel Africano e muitos outros conflitos apontam para a crise e o caos geopolítico.
A conclusão inevitável é de que é impossível reformar o capitalismo. Porém, não haverá ruptura com o sistema sem a atuação direta do sujeito histórico revolucionário: a classe trabalhadora. Para superar o capitalismo está em aberto a tarefa de construir uma organização, um pólo objetivo da vanguarda atuante na luta de classes mundial, ou seja, combinada à policrise do capitalismo há uma crise de direção do movimento de massas e do programa comunista. A crise de direção internacional significa inexistir um pólo de referência e uma organização para a luta de classes mundial, o papel que em diferentes momentos históricos cumpriram a I, II e III Internacional não tem correspondência na atualidade. A falta de uma alternativa política revolucionária identificável fortalece velhas e novas saídas oportunistas, muitas vezes como expressões distorcidas de genuínos processos de luta social e de resistência democrática.
A tentativa de queda da ordem constitucional existente, como fizeram no Chile, ou as estratégias legislativas e eleitorais, como aconteceram na Bolívia, Colômbia e Brasil, a chamada “Onda Rosa 2.0”, derrotaram a extrema direita eleitoralmente nas urnas, mas não as desmobilizam. Os setores reacionários mantém o fomento a ações fascistas e tentativas de golpismo, aguardando qualquer revés nos governos de frente ampla ou frente popular, como no foi no golpe institucional que levou Dina Baluarte a assumir o governo do Peru e mais recentemente o caso do capitólio brasileiro de 8 de janeiro.
A eleição de Lula, com a retomada de relações internacionais com os vizinhos latinoamericanos, poderia esboçar uma mudança de paradigma no subcontinente, porém, a integração parece limitada ao pragmatismo econômico e à estratégia de potência regional, visando assento junto às nações de capitalismo desenvolvido. A cúpula da Amazônia, que colocou a questão ambiental e a proteção das riquezas naturais na ordem do dia, também acelerou a disputa entre a financeirização da natureza e a autodeterminação e respeito aos povos originários, com suas culturas e sabedorias milenares, das nossas florestas, rios e sociobiodiversidade.
Vale destacar a postura de Gustavo Petro e Francia Márquez, quem têm chamado as ruas para impor mudanças na Colômbia, apoiando-se na mobilização social, para evitar as travas colocadas por setores da oligarquia para evitar a necessidade de uma reforma que valorize a saúde pública em detrimento dos agentes privados que controlam e manipulam as vidas dos colombianos. Petro rompeu o pacto com os setores da direita liberal e convocou duas marchas para indicar um caminho e alentar a luta social contra o golpismo e o neoliberalismo. Se avançarão até um choque maior com as forças conservadoras da burguesia, ainda estamos por ver, mas está evidenciada outra saída além das negociações parlamentares e na luta meramente institucional.
As veias seguem abertas na América Latina: os imensuráveis recursos amazônicos e outras riquezas naturais (petróleo, gás e lítio), colocam-nos no centro da disputa entre China e Estados Unidos; a recorrente insegurança pública, tanto pela atuação de máfias, milícias e narcotráfico, quanto pela violência social e política do Estado, ameaçam a vida das populações marginalizadas e invisibilizadas; os processos de lutas e de rebeliões, por condições dignas de vida e contra as investidas dos imperialismos e do fascismo, vão muito além das urnas.
A situação política não se limita às eleições, até porque temos no Brasil, em que pese o fracasso da estratégia de extrema-direita para alterar o regime político, há a cristalização de um núcleo da direita radical com importante peso de massas e capilaridade nas polícias e forças armadas. É fundamental compreendermos como a história brasileira recente, atravessada por um golpe parlamentar, a ascensão da extrema-direita e a pandemia, aceleraram o agravamento das condições de vida de amplas parcelas da população e uma fortíssima tensão política, fruto da crise geral.
A maior revolta popular dos últimos 30 anos, as Jornadas de Junho de 2013, são um marco fundamental para compreendermos o Brasil de hoje. Contrapomos tanto a interpretação dos bolsonaristas de uma explosão antissistema que resultou no empoderamento da extrema-direita, quanto a de setores da esquerda que atribuem a Junho o “chocar do ovo da serpente”, desresponsabilizando o PT e suas escolhas pelo perigoso impasse em que nos encontramos.
As Jornadas de Junho são síntese de um processo internacional: a onda dos “indignados”, que levou a juventude a questionar os regimes autoritários no Norte da África, os pactos democrático-liberais e a Troika na Europa Mediterrânea e até mesmo o capital financeiro nos Estados Unidos; um levante juvenil e popular, com demandas diversas, de caráter progressista e de potencialidade anticapitalista; um processo nacional de descontentamento com as condições de vida; uma “rebelião sem programa”, com poucos setores organizados da classe atuando, ainda que tenha havido na sequência das jornadas importantes processos como as greves de rodoviários, professores, garis e trabalhadores da saúde.
A partir da primeira etapa mais radical dos protestos, uma fração da burguesia e, sobretudo, os meios de comunicação à época hegemônicos, como Folha e Globo, ao invés de atuar para desmoralizar os protestos como de início, temerosos do aprofundamento da crise política, optaram por disputá-los. Focaram, então, suas coberturas na ampliação genérica das pautas políticas (anticorrupção, sobretudo), aproveitando-se da dificuldade de direção dos principais setores e da política do governo de reprimir as manifestações em 2014 para colocar toda sua energia na construção do que chamamos de “simulacro”. Como uma espécie de espelho reverso, utilizaram o MBL e outros grupos para canalizar a energia contra o governo em 2015 e 2016, quando Dilma já assistia sua base social erodir, fruto de seu ajuste econômico, abrindo caminho para mobilizações massivas da classe média pelo impeachment. O “simulacro” e a prisão de Lula foram a senha para abrir caminho para Bolsonaro, com apoio central de Temer – o vice golpista que atuou para debelar a proposta de constituinte no momento mais agudo da crise de 2013.
O controverso legado de Junho nos assombra e, a seu modo, nos impulsiona. Sem compreender o acontecimento, a revolta popular ficará como um elo recalcado, pronto para retornar à ribalta. O legado de Junho possui três dimensões: foi uma revolta popular que mostrou a força do povo na rua como vetor central; feriu de morte a Nova República e a dimensão “parlamentar” da política como conhecíamos até então; e mostrou para toda uma nova geração que sem direção revolucionária as revoltas são marés cegas, incapazes de efetivar a quebra do Estado, principal agente da manutenção da ordem destrutiva do capitalismo global.
Enquanto no mundo inteiro, em meio à pandemia, a emissão de gases de efeito estufa despencaram em quase 7%, as emissões brasileiras cresceram 9,5%, destacadamente pelo crescimento do desmatamento de 21,97%, em meio à pandemia do coronavírus. A agenda político-econômica reacionária, levada a cabo pelo governo Bolsonaro, atendeu aos interesses do capital agrário, minerador e industrial, atacando o debate ambiental sistematicamente, inerte na invasão de terras indígenas por garimpos ilegais, a extração de madeiras de forma predatória, o aumento das queimadas e da escalada da violência contra pequenos agricultores, ambientalistas, liderança de trabalhadores sem terra, quilombolas e indígena.
O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips escancaram a violência contra populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas no governo Bolsonaro, que culpou o indigenista e o jornalista por seu desaparecimento, dizendo que estariam realizando “uma aventura”, uma declaração repugnante, do presidente que desmontou órgãos de fiscalização e que apoia, no discurso e na prática, ações de desmatamento e os interesses de grupos criminosos de grileiros, madeireiros e garimpeiros.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) sofreram ataques em diferentes níveis, materializados nos cortes orçamentários, nas denúncias de intimidação de servidores e na redução em 80% no número de multas ambientais em propriedades rurais em 2021.
A atuação ecocida de Bolsonaro potencializou o racismo ambiental, um processo de discriminação de populações periferizadas ou de minorias étnicas, retratada na distribuição dos impactos ambientais de forma desigual entre a população, cujas parcelas marginalizadas e invisibilizadas historicamente são afetadas, por exemplo, na falta de investimento em saneamento básico, no despejo de resíduos nocivos à saúde em regiões de vulnerabilidade social, na grilagem e na exploração de terras pertencentes a povos locais. Segundo dados do IBGE (2018), mais de 40% da população preta ou parda não tinha esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial, esse percentual entre brancos não passava de 27%.
Segundo a ONU, 735 milhões enfrentaram a fome em 2022 e existem 2,4 bilhões de pessoas que sofrem de insegurança alimentar moderada ou grave no mundo, na América Latina e Caribe 37,5% estavam nessa situação. Globalmente, 51 milhões de crianças menores de 2 anos sofrem de desnutrição crônica, o que significa que são muito baixas para a idade devido à má nutrição. No Brasil, a fome atingia 33,1 milhões de pessoas, conforme pesquisa divulgada pela OXFAM (2022), mesmo no “Sul Maravilha” (regiões Sul e Sudeste), onde mais de 7,4 milhões de pessoas foram classificadas em condição de insegurança alimentar grave. Os efeitos da pandemia não explicam sozinhos essa catástrofe, pois 40 novos bilionários brasileiros foram registrados na lista da Forbes de 2021, são os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais miseráveis para fazer girar a roda do capitalismo.
A crise sanitária, que ceifou 6,776 milhões de vidas no mundo até julho de 2022, causou também uma queda de produtividade, com a retração de cerca de 8,8% do PIB mundial em 2020, a pior desde a Grande Depressão (1929) e cinco vezes maior que a crise de 2008. Os porta-vozes do capitalismo mundializado (BID, OCDE e FMI) são uníssonos em compreender sinais de nova desaceleração das economias centrais do capitalismo em 2022 (taxa de juros nos EUA, Guerra na Ucrânia e desaceleração do crescimento econômico na China), constatando o avizinhamento de uma inevitável recessão global que, como visto no período inicial de pandemia, deve significar mais pessoas lançadas à pobreza extrema.
Mesmo com a derrota de Bolsonaro, os reflexos da crise econômica permanecem no país. Segundo dados da PNAD Contínua/IBGE (06/2023), o Brasil alcança 7,9% de desempregados e 3,2% de desalentados (que desistiram de procurar emprego). A renda média do trabalhador brasileiro ainda está abaixo do patamar pré-pandêmico: em 02/2020 o rendimento efetivamente recebido, com valor dessazonalizado, correspondia à R$ 3.071, em 06/2023 era de R$ 3.072. No mesmo período, o IPCA (inflação oficial) foi de 24,92%. Enquanto isso, o lucro dos cinco maiores bancos brasileiros (Bradesco, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Caixa Econômica e Santander) foi de R$ 106,7 bilhões em 2022, com o patrimônio líquido, que representa o capital próprio dessas instituições, atingindo R$ 694,3 bilhões – um crescimento 8,5% em doze meses.
As contrarreformas trabalhista e da previdência estão entrelaçadas nas causas do encolhimento dos salários da classe trabalhadora no Brasil. As situações de informalidade representam 39,2% das pessoas ocupadas atualmente, ou seja, sem acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários. A queda da renda média mensal paga aos beneficiários do INSS, que representava 1,35 Salário Mínimo (SM) antes da crise de 2008 e hoje equivale a 1,22 SM (07/2023), tornam os benefícios cada vez mais achatados. O superávit fiscal e o “teto de gastos” (Emenda Constitucional nº 95) foram fatores determinantes para o congelamento no serviço público federal, como da nossa remuneração corroída em 39,56% pela inflação (01/2017 até 05/2023), ou seja, o reajuste emergencial de 9% concedido em maio fica muito aquém das perdas inflacionárias.
O aprofundamento do papel da economia brasileira na divisão internacional do trabalho, pós crise de 2008, do caráter dependente de nosso país, reforçando os aspectos de força-de-trabalho mal remunerada voltada à produção de bens primários para a exportação (soja, gado e minérios). São sintomas mórbidos de um sistema baseado na apropriação e acumulação por espoliação, nas palavras de David Harvey, no qual a miséria de muitos se reflete na riqueza de poucos, com a ação dos governos na manutenção de um Estado voltado à preservação dos interesses da classe dominante.
Não bastassem esses elementos, a pandemia deixou mais de 3,3 milhões de órfãos menores de idade no mundo, 169 mil delas no Brasil, superado apenas por Índia e México, segundo estudo publicado na revista The Lancet, retratando o desamparo aos mais vulneráveis, não necessariamente alcançados pela cobertura da seguridade social, o que exige novas políticas públicas, um desafio dada a lógica neoliberal de esvaziamento das atribuições do Estado, cuja principal resposta, o rebatizado “Auxílio Brasil”, tem mais de 674 mil famílias na lista de espera, em razão da limitação orçamentária, uma opção de governo dada a existência do “orçamento secreto” que transferiu R$ 36,4 bilhões entre 2020 e 2021 para os redutos eleitorais dos apoiadores de Bolsonaro.
A propagação do coronavírus é responsabilidade do retardamento na adoção de medidas sanitárias pelos governos do centro do capitalismo, cuja política neoliberal de austeridade orçamentária, aplicada ao setor sanitário e ao da pesquisa, limitaram o controle sanitário das pessoas provenientes das regiões afetadas, sua identificação e isolamento. O receio da desaceleração econômica e a iniciativas insuficientes obrigaram posteriormente à adoção de medidas mais severas, entretanto, é conhecido o alerta da comunidade científica com o coronavírus SARS em 2002, a necessidade de programas de pesquisa especiais, que permitissem conhecer e prevenir a aparição do vírus sob novas formas, mas os governos se negaram a financiá-los.
O Brasil se notabilizou como um anti-exemplo mundial no combate à COVID-19, em razão da orientação negacionista do governo, cujos dados levantados pela CPI da COVID não deixaram dúvidas sobre os crimes cometidos e a responsabilidade de Jair Bolsonaro na sabotagem das políticas preventivas de distanciamento e da compra de vacinas, além do estímulo ao uso de remédios ineficazes. O indiciamento pelos crimes de epidemia com resultado de morte, infração de medida sanitária, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crimes contra a humanidade e crimes de responsabilidade não foram efetivados, dado o comprometimento do Procurador Geral da República.
O principal inimigo de Paulo Guedes, o serviço público, foi quem evitou uma tragédia ainda maior: o SUS garantindo atendimento gratuito e universal, mesmo diante do colapso no sistema de saúde; os institutos públicos de pesquisa, como o Butantan e a Fiocruz, no desenvolvimento de vacinas e no subsídio de informações para ações em todos os níveis; a ANVISA atuando de forma imparcial, sem ceder às pressões políticas no registro das vacinas; a UFRJ no sequenciamento genético do vírus em 48 horas; a Escola Politécnica da USP que desenvolveu tecnologia para respiradores quinze vezes mais baratos que o mercado, e de rápida produção; os Correios fazendo chegar as vacinas a longínquas localidades; a Caixa assegurando o pagamento do auxílio emergencial, com base nas informações de outra instituição pública, o INSS. Como imaginar o que seria do Brasil em meio à pandemia sem o serviço público?
A crise sanitária também deu visibilidade ao trabalho de reprodução e manutenção da vida, tarefas majoritariamente realizadas pelas mulheres e historicamente desprezadas, não-pagas, mal remuneradas ou mesmo não reconhecidas como trabalho (hospitais, escolas, creches, cuidado dos idosos, serviços de alimentação e limpeza etc.), sem as quais não existiria reprodução da força de trabalho e, consequentemente, desenvolvimento capitalista. Foi no espaço doméstico, apesar do trabalho remoto em casa não ser uma realidade para a maioria das famílias da classe trabalhadora, que o aumento da violência doméstica do modelo de família patriarcal, machista e LGBTfóbico, que a reconfiguração das formas de trabalho e de consumo (teletrabalho e compras por aplicativos), se demonstraram eficientes na flexibilização das relações trabalhistas, com jornadas em qualquer dia da semana, sem limites de horário, com baixos custos para o empregador.
O Brasil foi o epicentro da pandemia, com mais de 670 mil óbitos e 32 milhões de casos conhecidos. O Governo de Jair Bolsonaro levou às últimas consequências sua política genocida, autoritária e neoliberal, ao não garantir condições para o isolamento social, boicotar as vacinas, as máscaras e não garantir auxílio digno e duradouro ao povo trabalhador que tinha que se expor. A classe trabalhadora, no ápice da pandemia, não teve condições de parar de trabalhar nem mesmo para preservar a sua vida.
A possibilidade de prisão de Bolsonaro, pela apropriação de jóias destinadas ao Estado Brasileiro, não exime a necessidade de responsabilização dele e de seus comparsas das acusações formalmente apresentadas na CPI da COVID” do cometimento dos crimes de: prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
O trauma provocado pela pandemia da Covid-19, somando-se às outras dimensões da crise, exigiu uma ampla unidade das forças progressistas, que derrotaram Bolsonaro nas eleições de 2022, no entanto, o novo governo de Lula com a consigna de “reconstrução nacional” não tem apontado estruturalmente no desmonte promovido pelo governo anterior.
Os últimos anos foram marcados por importantes lutas contra os retrocessos do governo Bolsonaro. A necessidade de superação do bolsonarismo mobilizou amplos setores às ruas em meio à pandemia, contra os retrocessos e retiradas de direitos, o negacionismo genocida, os ataques ao meio ambiente e o discurso de ódio contra negros, pobres, comunidade LGBTQIAPN+, ataques aos servidores públicos, aos povos originários, contra a Ciência e contra as mulheres. Por isso, a vitória eleitoral de Lula foi um alívio, fundamental para as garantias das liberdades democráticas, porém, não significou a derrota do bolsonarismo, evidenciada na tentativa golpista de 8 de janeiro.
O episódio da atabalhoada tentativa de um novo “capitólio” deve nos colocar atentos e vigilantes, exigindo a ampla investigação para identificação dos financiadores e executores desse atentado contra a democracia brasileira. Não queremos e não permitiremos anistias aos golpistas, que nos últimos anos se sentiram à vontade para proclamar suas palavras de ordem odiosa, contra mulheres, negros, nordestinos, povos originários e a comunidade LGBTQIAPN+
Contudo, o fortalecimento da democracia, não quer dizer que façamos um adesismo ao governo Lula. É preciso cobrar responsabilidade com as pautas fundamentais para classe trabalhadora: aumento real do salário mínimo, diminuição dos índices de desemprego, ampliar o investimento em educação, revogar o novo ensino médio, ampliar e fortalecer o SUS, regular a política de preço da Petrobrás para os combustíveis, reduzir o desmatamento na Amazônia legal e seus biomas, investigar e punir aqueles que fizeram a política genocida contra os povos originários em especial os Yanomamis.
Queremos uma postura do governo Lula diferente do que está posto. A reeleição de Arthur Lira, “primeiro ministro” de Bolsonaro e linha auxiliar do governo genocida, mantém a Câmara Federal como verdadeiro balcão de negócios, fazendo do parlamento brasileiro uma rifa de interesses espúrios que apenas confrontam os interesses da classe trabalhadora. É o parlamento dirigido por Lira que está pautando o Projeto de Lei 490/2007, que desfigura direitos constitucionais e inviabiliza, na prática, as demarcações de terras indígenas, em resposta ao julgamento em andamento sobre o marco temporal. A entrada completa no governo do “centrão de Lira” também expõe que o governo Lula não é disputável, portanto, deve ser pressionado nas ruas.
As contradições do governo Lula vieram desde cedo, com a apresentação do “arcabouço fiscal” que não revoga na prática o “teto de gastos", mantendo o objetivo do superávit primário, restringindo investimentos para priorizar o pagamento de juros aos credores da dívida pública. Este novo modelo de teto de gastos limita a ação do governo federal em áreas como saúde, educação e infraestrutura ao mesmo tempo que garante a utilização de quase metade do orçamento federal apenas para o pagamento de juros e amortizações da ilegítima dívida pública, sem ao menos reduzir o total dessa dívida. A repercussão imediata foi demonstrada na proposta de reajuste linear de 1% para o serviço público federal, apresentada na véspera do envio da Lei Orçamentária Anual (LOA).
A reforma tributária, apoiada e comemorada pela FIESP e a FEBRABAN, não mexeu na estrutura tributária regressiva brasileira, além de isentar exportações e insumos ao agronegócio, incluindo os agrotóxicos, propriedades e negócios vinculados às grandes igrejas evangélicas, jogando para o bolso do consumidor a carga final. O caráter fiscalista da gestão de Haddad encontra eco em outros programas, previstos para o segundo semestre como, por exemplo, o plano de estímulo às PPPs – inclusive, como anunciado, para a construção de novas unidades prisionais; e o endurecimento da Lei de Responsabilidade Fiscal para estados e municípios, outra faceta do “arcabouço fiscal”.
A estratégia da “governabilidade” mantém a agenda neoliberal. Por isso, as medidas progressivas do governo Lula não são pretexto para “deixar o homem trabalhar”. Para esmagar o neofacismo é preciso enfrentar os interesses dos poderosos e lutar pela necessária, justa e igual distribuição da riqueza no país.
A atomização e a dispersão aprofundam a crise do movimento sindical, que não dialoga com a organização dos trabalhadores frente às novas formas de precarização do trabalho, a uberização e os teleoperadores, além das tentativas do governo neofascista de Bolsonaro de fechar o regime e a criminalização dos movimentos populares e sindical, usando e abusando da Lei de Segurança Nacional para ameaçar, coagir e criminalizar os movimentos dos de baixo.
O esgotamento do modelo de sindicalismo vigente, conjugado na herança Varguista de controle estatal por parte do Ministério do Trabalho e a dependência do imposto sindical, ainda que formalmente extinto, mas trazido sob novas formas de arrecadação compulsórias. Não foi apreendido, pelas direções sindicais, o peso da derrota do movimento sindical nas reformas da previdência e trabalhista. A burocratização das grandes centrais, nos revela que mais do que necessário é urgente que sejam apresentadas novas formas de luta e a configuração de uma aliança estratégica com os de baixo.
O movimento operário brasileiro conheceu processos de grande importância em pelo menos três vezes na história: os sindicatos livres e autônomos, hegemonizados pelo anarquismo; a unificação das lutas para um programa comum de reivindicações imediatas, com hegemonia do PCB, a partir da década de 1930; e, a reorganização com o enfrentamento à carestia e a ditadura civil-militar, no final da década de 1970, o chamado de “novo sindicalismo”.
Os diversos períodos de ascensos e refluxos do movimento e da luta estão associados à organização de sindicatos, intersindicais e centrais sindicais. A estrutura sindical, herdada de Getúlio Vargas e presente até os nossos dias, foi concebida para dividir, parcializar e isolar as lutas. Colocar em destaque as diferentes etapas e ciclos do sindicalismo brasileiro é fundamental para compreendermos o acúmulo histórico e os desafios para a ruptura com o terceiro ciclo histórico da organização sindical.
Os primórdios da organização sindical no Brasil remontam à fundação da Associação Tipográfica Fluminense (1853), uma transição de associação mutualista para uma organização operária de resistência, fundamental para a primeira greve dos compositores tipográficos, em 08 de janeiro de 1858, por melhores salários e redução da jornada de trabalho, em meio a uma sociedade escravocrata, baseada no trabalho servil e com a indústria ainda em seus primeiros passos.
A criação da Confederação Operária Brasileira e o processo da Greve Geral de 1907, na qual os trabalhadores reivindicavam a jornada de 8 horas de trabalho, marca um período de ebulição no movimento, marcadamente entre 1915-1929, quando estimam-se 107 greves no estado de São Paulo, dentre elas a Greve dos Cem Mil de 1917. A resposta foi a chamada “lei infame” (1921), que previa o fechamento, por tempo determinado, de associações, sindicatos e sociedades civis, para barrar a ação concreta do nascente operariado brasileiro.
Esse primeiro ciclo do movimento operário (1907-1930) foi inicialmente hegemonizado pelos anarquistas, com sindicatos livres e autônomos, com novo direcionamento ideológico a partir da fundação do Partido Comunista do Brasil (1922), reunindo sindicatos sob bandeiras de luta comum para um programa de reivindicações imediatas. A partir de 1930, simultaneamente à transformação da classe operária brasileira, iniciou-se um novo período para o sindicalismo, marcado pelo intervencionismo estatal, um traço que permanece até os nossos dias.
O golpe político-militar, que levou Getúlio Vargas ao poder, era carente de legitimidade. A fim de obter a aceitação e o consentimento ao regime político, o novo governo patrocinou políticas públicas voltadas aos operários, outorgando uma legislação social e trabalhista. O Estado promoveu a autoimagem de guardião dos interesses materiais e simbólicos dos trabalhadores, em detrimento das lutas sociais travadas pelas classes trabalhadoras no Brasil, antes de 1930. Tudo em sintonia com o projeto de industrialização de um Estado Capitalista dependente, onde era fundamental para os capitalistas a regulação das relações de trabalho e obter a “colaboração de classes”.
A auto-organização dos trabalhadores deixou de ser a expressão do sindicalismo, dando lugar ao sindicato oficial: o Decreto nº 19.770, de 1931, determinou a unicidade sindical e o controle do Estado; na decretação do Estado Novo (1937), a greve foi criminalizada; e, com a CLT (1943) instituído o imposto sindical. A tutela do Estado condicionou os sindicatos a um órgão representativo de interesses profissionais, com direções sindicais cooptadas pelo governo, deixando de serem organizações de embates políticos, tomando um viés assistencialista. A atuação do PCB, mesmo nos períodos de clandestinidade, foi determinante para suplantar o sindicalismo pelego contrário às mobilizações dos trabalhadores.
Na Constituição de 1946, a liberdade sindical foi condicionada à lei, mantendo o modelo corporativista, entretanto a greve deixou de ser um ilícito e foi reconhecida como um direito, mas o Decreto-Lei nº 9.070 manteve-se vigente e as greves praticamente proibidas. Entretanto, a retomada das mobilizações e das lutas não tardou, com a deterioração dos salários, eclodindo entre 1948 e 1949 várias greves, principalmente dentre os ferroviários.
Apesar de Vargas voltar ao poder pelo voto (1950), suas políticas econômicas não sanaram a carestia da classe trabalhadora, tornando infrutífera a tentativa de reeditar a política de “colaboração de classe”. Com os sindicatos atrelados à estrutura corporativista do Estado, crescentes protestos como a Greve dos Trezentos Mil (1953), foram organizados a partir de comitês de empresa nos locais de trabalho, com forte repressão aos trabalhadores pela polícia.
O governo eleito após o fim da era Vargas, o de Juscelino Kubitschek (1956-1960), manteve o controle dos sindicatos. A postura liberal permitiu uma maior entrada de capital estrangeiro no país, com a instalação de fábricas automobilísticas e das indústrias de base (siderúrgicas). A expansão do operariado, que em um primeiro momento obtiveram pequenos ganhos salariais, não era comparável à taxa de lucro dos empresários. Essa situação levou a manifestações que acabaram em greves, várias delas ocorridas entre 1959 e 1960, no final do governo Kubitschek.
A reaglutinação do movimento sindical, com a criação de organizações intersindicais, leva à 1ª Conferência Nacional dos Sindicatos (1958). O crescimento das mobilizações propicia condições para a criação, em 1962, do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), no mesmo encontro que é aprovado o Plano de Ação Imediata, propulsora das primeiras greves de caráter declaradamente político da história brasileira, uma “campanha de esforços pelas reformas de base”. Em 1961 e 1963 ocorreram também dois congressos de camponeses e trabalhadores rurais assalariados, na pauta: reforma agrária e o combate ao monopólio da terra pelos poderosos latifundiários.
Em 1963, foi formado o Pacto de Ação Conjunta (PAC) para encaminhar a campanha salarial de várias categorias da indústria de São Paulo, a estratégia decidida pelos operários, reunidos em assembleia, foi reivindicar a unificação da data-base dos acordos salariais. A FIESP recusou-se a negociar com o PAC e, diante da posição empresarial irredutível, os operários iniciaram a greve, paralisando a capital e 40 cidades do estado. Aproximadamente 700 mil operários aderiram ao movimento, com duríssima repressão, que não impediu a greve se estender até a vitória, com 80% de reajuste salarial para todos os trabalhadores: o movimento operário rompia com a estrutura sindical vigente e as greves pululavam em todo o país.
O ascenso das mobilizações de massa, o avanço na consciência de classe e a pressão das entidades representativas levava trabalhadores do campo a unirem-se ao movimento operário nas cidades, participando de comícios, manifestações, congressos e encontros operários. As mobilizações pelas reformas de base (agrária, bancária, administrativa, tributária e educacional) cresciam e exigiam um posicionamento do governo. No comício na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, João Goulart anunciou a nacionalização das refinarias de petróleo e a possibilidade de desapropriação de grandes propriedades à margem de rodovias ou ferrovias federais, ou situadas em áreas de bacias de irrigação.
Latifundiários, grandes empresários e outras forças reacionárias aglutinaram-se, solicitando o “impeachment” do presidente. O CGT procurou reagir, decretando greve geral, denunciando a articulação de um golpe. No entanto, na madrugada de 1º de abril de 1964, os militares respaldados por latifundiários, parte da burguesia e da classe média e pelas forças navais dos Estados Unidos, derrubaram Goulart. Seguiu-se a intervenção nas entidades sindicais e o desmantelamento do CGT, além da perseguição a seus líderes. É instaurado um período sombrio da política e da sociedade brasileira.
Durante a ditadura civil-militar, os sindicatos desempenharam um papel de entidade assistencial, com a negociação coletiva limitada à discussão de benefícios e taxas de produtividade e os índices oficiais, que estabeleciam reajustes automáticos, cujas maquiagens levaram a salários mais baixos. Em 1965, a Lei nº 4.725 estabeleceu as normas para os dissídios, instituindo uma política de arrocho, com salários sem reposição da inflação. A criação do FGTS (1966), substituindo a estabilidade no emprego garantida por lei, reduziu os custos com a demissão, favorecendo a rotatividade da mão de obra e, consequentemente, o enfraquecimento do movimento sindical.
As primeiras manifestações operárias ocorridas durante a ditadura, as Greves de Contagem/MG e Osasco/SP (1968), foram reprimidas com violência e tiveram seus líderes presos ou obrigados à clandestinidade. O “milagre brasileiro” (1967-1973) levou a uma aparente prosperidade, baseado no endividamento externo e na concentração interna de renda.
Em 1964, a dívida externa brasileira somava US$ 3,294 bilhões e, em 1985, totalizava US$ 105,171 bilhões, ou seja, cresceu 32 vezes durante os governos militares. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda, estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. As condições de vida se deterioraram e são traduzidas pela DIEESE, em 1977, sobre a manipulação governamental dos índices de reajuste salarial de 1973, que acarretaram na perda de 34,1% em seus salários.
A repressão da ditadura exigiu criatividade para tentar evitar a morte ou a prisão. As comissões operárias de fábrica, organizadas em torno das reivindicações tiradas nos locais de trabalho mobilizaram o operariado, encontrando novas e originais formas de resistência, para reduzir a produção sem o abandono do local de trabalho: “operação-tartaruga” (reduzindo o ritmo do trabalho); operação zero (realizando-se a tarefa com todo o cuidado e levando, portanto, muito mais tempo); e, as paradas por seções (“pipoca”).
A ampliação de manifestações discretas e isoladas dentro das fábricas, a incipiente organização de base e a crescente miséria (inflação de 46,27% em 1977 e 38,78% em 1978) fez ressurgir o movimento grevista em 1978, na região do ABC paulista, encontrando a liderança de Lula atento à mobilização dos operários, atuando em consonância com o estado de ânimo dominante na categoria. Nos anos de 1978 a 1980, greves massivas de metalúrgicos paulistas, chegando a aglutinar 80 mil operários, que desafiaram a ditadura.
Durante o ano de 1980 poucas categorias conseguiram articular-se em grandes mobilizações, mas o avanço das lutas operárias, a partir de 1978, incentivou os trabalhadores organizados em oposições sindicais a formularem o Encontro Nacional das Oposições Sindicais (ENOS) de 1980, seguido dos Encontros Nacionais de Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES).
Realizado em 1981, o III ENTOES aprovou dentre suas propostas: reforma agrária sob controle dos trabalhadores, decretação de uma greve geral, envolvendo trabalhadores do campo e da cidade; e o fim da estrutura sindical, com a formação de uma central única dos trabalhadores. É convocada a 1ª Conferência da Classe Trabalhadora (CONCLAT).
No CONCLAT de 1981 formam-se dois blocos: de um lado os chamados combativos, o “novo sindicalismo” crítico da estrutura sindical, majoritariamente petista e as oposições sindicais; de outro lado estavam os moderados, incluindo os pelegos, o “velho sindicalismo”, o MR8, o PCB e o PCdoB, que defendiam a estrutura sindical oficial e se submetiam à hegemonia da oposição liberal na luta contra a ditadura.
Em 1983, o movimento sindical encaminhou, de forma unitária, a luta para derrotar a política governamental, adotando as campanhas públicas de denúncia contra os pacotes e decretos econômicos. A Greve Geral de caráter nacional foi marcada. A intervenção do Ministério do Trabalho nos sindicatos dos Bancários e Metroviários de São Paulo e nos Petroleiros da Bahia, sem conseguir desmobilizar os trabalhadores: o dia 21 de julho de 1983, uma quinta-feira, parecia um domingo na cidade de São Paulo. Foi uma greve pacífica, mas ainda assim ocorreram prisões de lideranças sindicais. Durante o ano de 1983, ocorreram 293 greves em todo o país.
Em agosto de 1983, os setores combativos fundaram a Central Única dos Trabalhadores (CUT), defendendo a Convenção 87 da OIT, apontando para a combinação entre luta econômica e política, em um modelo de sindicalismo de base e democrático. Nascida em oposição à velha estrutura sindical vigente, a CUT como uma Central autônoma em relação ao Estado, defensora dos trabalhadores, combateu a unicidade sindical, o imposto sindical, o assistencialismo, a estrutura artificial das federações e confederações, a proibição da sindicalização entre os funcionários públicos, tendo como imperativo “a defesa dos interesses imediatos e históricos dos trabalhadores”.
O movimento sindical engajou-se na luta pelas eleições diretas para a presidência da República (1984), formando uma frente que convocou manifestações e comícios na campanha das “Diretas-Já”. O povo tomou as praças das principais cidades brasileiras, mas conhecemos o desfecho da “Emenda das Diretas”, não aprovada no Congresso Nacional, seguida da eleição indireta de Tancredo Neves, cuja morte levou José Sarney à presidência.
Durante o ano de 1984 ocorreram 423 greves no país, 70% a mais do que havia acontecido no ano anterior. Em 1985, houve uma “explosão” do movimento grevista, com 667 greves em todo o país, 298 delas no estado de São Paulo, atingindo cerca de 2 milhões de trabalhadores, com reivindicações como reajuste de 100% do INPC para todas as faixas salariais, a trimestralidade e a redução da jornada de trabalho, um ascenso que não se deu sem as pressões do governo e dos patrões.
A CUT não rompeu totalmente com a velha estrutura, passando a uma prática sindical híbrida, na qual a força dos aparelhos sindicais prevaleceu e provocou um processo gradativo de burocratização e a diminuição do esforço democrático inicial. No 3ª Congresso da CUT (1988), houve a reestruturação enquanto máquina sindical, passando para um perfil de Central de representação, de negociação, mais do que uma Central de mobilização e organização para a luta de amplas massas.
Desde então, os processos congressuais passaram a ser organizados para garantir, a qualquer custo, a manutenção do controle da CUT pelo setor majoritário (Articulação Sindical), vetando a composição proporcional e qualificada, um mecanismo democrático para a democracia interna, onde todas as visões seriam contempladas conforme seu peso de representação. Gradativamente, foram abandonados os princípios fundacionais que originaram a CUT, que nasceu com um perfil socialista e internacionalista. O processo contínuo de burocratização, a manutenção das práticas de se locupletar da estrutura sindical varguista (unicidade sindical, imposto sindical), a filiação a CIOSL (Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres) e o uso de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), aceleram a degeneração da década de 1990.
Após sucessivas derrotas eleitorais de Lula (1989,1994 e 1998), o giro programático à direita foi materializado na “Carta ao Povo Brasileiro”, um passaporte para a vitória de Lula em 2002, contaminada pela mudança programática, alianças com a direita mais conservadora, tendo como vice um representante de uma fração da burguesia industrial, moderação do discurso e comprometimento com a garantia dos compromissos com o mercado e a continuidade do programa de privatização dos bancos estaduais, foram as marcas do que estava por vir. O atrelamento da CUT ao governo Lula é total, com vários dirigentes sindicais ocupando cargos em todos os escalões de governo.
A proposta de Reforma da Previdência, de 2003, conclui o processo de perda de autonomia da CUT, que deixou de ser um organismo de Frente Única da Classe Trabalhadora e tornou-se correia de transmissão do governo Lula e do PT, completando a traição histórica contra a classe trabalhadora brasileira. A reconfiguração pela qual passou o movimento sindical brasileiro, desde a ascensão do PT ao governo federal, e o consequente processo de cisão e fusão de Centrais e correntes sindicais, revelou a atomização causada pelo processo de degeneração da CUT.
A inclusão das centrais sindicais no ordenamento jurídico, com o acesso a recursos do imposto sindical, originaram novas Centrais cartoriais e pelegas: a Nova Central de Trabalhadores (NCST), a partir das federações e confederações da estrutura oficial; a União Geral dos Trabalhadores (UGT), com a fusão da Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), da Confederação dos Trabalhadores (CGT) e da Social Democracia Sindical (SDS); a Central Geral dos Trabalhadores (CTB), em 2007, oriunda do racha do PCdoB com a CUT. Estas Centrais passam a dividir com a CUT e a Força Sindical o papel do sindicalismo varguista.
A postura acrítica da CUT, diante da ofensiva do governo social-liberal de Lula, provocou o início de um processo de desfiliação da central, tendo como pólo aglutinador a Coordenação Nacional de Lutas Sociais (CONLUTAS), abrindo um “novo ciclo” de reorganização do movimento sindical. Esse movimento significou o início da superação aberta no movimento dos trabalhadores, desde a transformação da CUT num instrumento de conciliação a serviço das classes dominantes, iniciada nos anos 1990 e concluída com a ascensão de Lula em 2002.
A CONLUTAS, construída a partir dos enfrentamentos de 2003, se configurou inicialmente como um espaço de organização dos trabalhadores, reunindo além do setor sindical, os setores popular e estudantil, em luta contra as reformas de cunho neoliberais do governo do PT, se transforma em uma entidade sindical, popular e estudantil após a realização do CONAT (Congresso Nacional dos Trabalhadores), de 2006. No mesmo ano, sindicatos e oposições sindicais fundam a Intersindical, após novas rupturas com a CUT. CONLUTAS e Intersindical passam a atuar em frente única em diversas lutas contra as contra-reformas do governo Lula, na retirada dos direitos dos trabalhadores, em especial as reformas da Previdência e Sindical.
A convocação de um novo CONCLAT, em 2010, reuniu-se 4.050 ativistas e cerca 3.200 delegados de todo o país, com representação internacional de 25 países, contando com a atuação da CONLUTAS, da Intersindical, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Movimento Terra Trabalho e Liberdade (MTL), Pastoral Operária e militantes, dirigentes e quadros de diversas outras organizações. A preparação do CONCLAT contou com mais de 900 assembleias, em todo o país, representando mais de 3 milhões de trabalhadores.
Hegemonizados pelo PSTU e aliados, o CONCLAT implodiu após a decisão da votação do nome da Central, e os setores encabeçados pela Intersindical após perder a votação se retiram do Congresso. A recém fundada Central Sindical e Popular (CSP Conlutas), surgiu debilitada, porém, defendendo um sindicalismo de luta classista, democrática internacionalista e socialista. Em 2014, a Intersindical Central da Classe Trabalhadora (Intersindical CCT) é fundada por parte dos setores que abandonaram o CONCLAT, mantendo outros setores uma outra organização homônima e não formalizada como central sindical, a “Intersindical Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora”. Com a fragmentação das iniciativas mais combativas do movimento sindical, a unidade de ação tem sido imposta pela conjuntura, mas muito distante de fazer frente ao sindicalismo oficial das grandes centrais.
Os grandes movimentos de massas antes da pandemia (15M e 30M), a “Tsunami da Educação”, em defesa da educação pública e contra o corte de verbas, nos aponta o caminho que a vanguarda da luta de classes deve seguir. O centro desse movimento, no primeiro semestre de 2019, foram as lutas das juventudes, do movimento estudantil e da educação. Enquanto as convocações formais para a mobilização contra a Reforma da Previdência e a Reforma Administrativa, assim como o esvaziamento da Greve Unificada do SPF pelas Centrais Sindicais, revelaram a fragilidade e burocratização das superestruturas do movimento sindical.
Precisamos recuperar os princípios de concepção sindical, como o classismo, a democracia operária, a organização de base e de local de trabalho. Construir alianças com os setores cada vez mais excluídos do mundo do trabalho, como os entregadores de aplicativos, apoiar ativamente a auto-organização das lutas democráticas contra as mediadas repressivas e a luta nas periferias contra a necropolítica das forças de segurança dos governos que cotidianamente exterminam jovens pobres e negros(as).
As mudanças no mundo do trabalho retiraram dos locais de trabalho a exclusividade da centralidade da organização dos trabalhadores e da atuação dos sindicatos. Esse marco espacial no qual o trabalhador exerce suas funções, cria relações e passa grande parte do seu dia não é mais uma realidade para um porção crescente da categoria da seguridade social. As contradições e conflitos entre capital e trabalho, ligados às
condições de trabalho, reivindicações salariais, doenças ocupacionais, acidentes de trabalho, assédio moral, conflitos com chefias e gerentes, passaram a permear a intimidade, o domicílio e a família.
A representação não sindical, por organização no local de trabalho (OLT), remete ao contexto do “novo sindicalismo”, apresentando-se como tentativa de melhor tratar de problemas do cotidiano do ambiente laboral, na ausência do sindicalismo oficialista. Compreende um conjunto de ações e de organismos com a finalidade da defesa de interesses e direitos dos trabalhadores no espaço da de trabalho, o que inclui a representação dos trabalhadores e as prerrogativas de atuação direta da coletividade de trabalhadores.
O advento do teletrabalho, com o consequente esvaziamento dos locais de trabalho, fragilizaram os elos de solidariedade e atuação sobre as tensões nas relações de trabalho. Essa forma organizativa precisa ser ressignificada, tanto para reaproximar e acolher os trabalhadores, quanto para potencializar as contradições do mundo do trabalho em novas formas de luta.
A atual estrutura sindical brasileira não consegue responder à nova dinâmica de organização do mundo do trabalho, isto é fato. O método para superar esse dilema pode estar na experiência prática, na experimentação de novas e velhas formas para reaproximar as relações entre os trabalhadores atomizados, combatendo o individualismo com o acolhimento a solidariedade de classe, cuja chave pode estar na construção de um processo formativo conjunto e colaborativo, a partir da unidade de vinculação funcional, a similaridade de atuação profissional, ou a proximidade de domicílio. Não há como apresentar fórmulas. É necessário experimentar.
As tecnologias da informação e comunicação, de fato, podem reduzir o tempo de realização de inúmeras tarefas, como a eliminação de repetições de procedimentos e a automação de rotinas padronizadas. Infelizmente, o objetivo da digitalização dos serviços públicos e a virtualização do trabalho significou para o quadro de servidores a piora das condições de trabalho dadas as metas produtivistas, enquanto para o cidadão representou a restrição do acesso aos serviços.
No INSS, a implantação do agendamento eletrônico resultou no fim das filas de espera que viravam quarteirões, antes mesmo da abertura das agências, assim como acabou com o comércio de senhas de atendimento oferecidas pelos “guardadores de lugar na fila”, passou a reconhecer a data de entrada do requerimento desde a marcação da data da solicitação, servindo de exemplo de gestão pública, por proporcionar a todos os usuários acesso facilitado ao exercício do direito de petição dos benefícios administrados pela Previdência Social.
Porém, a tecnocracia não compreendeu que não bastava programar o atendimento, preferiu acreditar que as teorias de administração e seus limitados indicadores seriam capazes de extrair o máximo da capacidade produtiva dos trabalhadores do INSS, ignorando os limites de uma demanda muito superior à força de trabalho existente. O resultado foi a criação da fila virtual para o cidadão, da maratona dos servidores para alcançar as metas, as crescentes pressões e os atritos organizacionais. A aposta foi dobrada: a digitalização dos serviços restringiu o acesso e a automação indiscriminada passou a multiplicar o indeferimento de benefícios previdenciários, o chamado robô do INSS. Novamente perdeu o servidor e o cidadão.
Em 12/2015 haviam 36 mil servidores no INSS, hoje são pouco mais de 18 mil, ou seja, as 1 mil vagas do último concurso sequer repuseram as vacâncias recentes. Um dos reflexos danosos do esvaziamento do quadro está no aumento na judicialização, que coloca o INSS como responsável por quase 1/5 de todas as demandas na Justiça Federal (18,54% em 09/2022, segundo o CNJ), duplicando as demandas desde a virtualização dos processos. O INSS deixou de ser uma instituição de reconhecimento dos direitos, passando ao papel de “Negador Geral da República”. As Agências da Previdência Social deixaram de recepcionar requerimentos e demandas, usando da exclusão digital para represar uma demanda invisível; as Centrais de Análise, mesmo com a aumento da produtividade, têm força de trabalho insuficiente para manter o tempo de conclusão de pedidos dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação; e, a automação de processos não está delineada para resguardar direitos.
Prosperam com o fracasso da Autarquia atravessadores e altas carreiras do funcionalismo público. A advocacia privada tem larga jurisprudência para lucrar sobre a ineficiência institucional, os órgãos de controle e jurisdição (TCU, CGU, Judiciário, MP e AGU) ampliam seu poder político ao determinar a política previdenciária na ausência do governo e os atravessadores prestam serviços com ônus ao cidadão. São os beneficiários do INSS que pagam a conta diretamente, para ter acesso ao serviço que deveria ser gratuito e universalizado, e indiretamente, com a demora em obter benefícios e serviços, onerando o Estado que também sustentam.
Enquanto laboratório de maldades dos governos, o INSS é um anti-exemplo que vem se espalhando pelo serviço público, com a cobrança de adicionais de produtividade para manutenção do teletrabalho. O comitê interno para tratar das condições de trabalho caminha do ritmo da direção do INSS, mesclada entre bolsonaristas e tecnocratas das gestões petistas anteriores. Novamente, será com a mobilização da categoria que pode apresentar uma alternativa de superação .
Os sistemas de seguridade social foram estruturados para o “Estado de Bem Estar Social”, visando reduzir a tensão dos crescentes movimentos reivindicatórios dos trabalhadores por mais direitos, os efeitos da crise capitalista de 1929 e a destruição e desestruturação causadas pela II Guerra Mundial. No Brasil, sua estruturação nas primeiras décadas do Século XX, na lógica do seguro social, estabeleceu relação direta entre o acesso à proteção social e a inserção no trabalho formal.
O modelo de Otto von Bismarck (1880), introduzido em razão das pressões dos trabalhadores alemães e para conter o avanço do movimento socialista, se assemelha aos seguros privados, pois o acesso está condicionado à contribuição direta anterior. Na proposta de William Beveridge (Reino Unido, 1942), o Estado deveria prover políticas e ações de acesso universal destinadas a todos os cidadãos “do berço ao túmulo”, independente de contribuição. Ambos foram respostas às necessidades de conciliação de classes, situações nas quais o Estado é chamado a intervir para salvaguardar os lucros dos capitalistas.
O sistema brasileiro, inicialmente baseado apenas na lógica do seguro social, teve no Movimento da Reforma Sanitária a pressão de amplos setores para incluir, na Constituição Federal de 1988, características também de seguridade social, orientando a política pública de saúde e em certa medida na assistência social, entretanto, a previdência social permaneceu sob a lógica de seguro.
O funcionamento da política previdenciária brasileira restringe o princípio da universalização, presente na carta constitucional brasileira. A universalidade se expressa, na seguridade social brasileira, como mecanismo que iguala os cidadãos às mesmas condições de concorrência e que preconiza apenas as garantias jurídicas de acesso aos benefícios, o que não garante a efetivação da proteção social a todo o conjunto da sociedade. Na política previdenciária, especificamente, esse fundamento fica mais evidente à medida que a premissa da contributividade acaba se contrapondo com a perspectiva da universalidade.
Nos países capitalistas centrais, o avanço do neoliberalismo na década de 1970, corroeu as bases do “Estado de Bem Estar Social", a pretexto das sucessivas crises, tornou obsoleta e desmontou políticas públicas de seguridade social, entregando ao sistema financeiro um filão de mercado. No Brasil, no início da década de 1990, antes mesmo da concretização das premissas constitucionais, inicia-se o desmonte. Esse ideário fica materializado nas diretrizes para privatização da previdência social do pacote de ajustes estruturais recomendados pelo Banco Mundial para assegurar, em curto prazo, a diminuição dos gastos e, em médio e longo prazo, o crescimento econômico (1994).
Os impactos das reformas regressivas realizadas em vários países da América Latina na década de 1990 passaram a “preocupar” novamente o Banco Mundial (2004), que admitiu o aumento das demandas por benefícios assistenciais e o crescimento da proporção da população ocupada não-contribuinte para os sistemas de previdência, passando a propor o rearranjo com sistemas de proteção social não-contributivos, como uma renda mínima, e uma colcha social complementar, como o Bolsa Família. O mais novo defensor dos pobres é o FMI, que passou a incluir nas cláusulas contratuais para socorros financeiros, a necessidade de aplicação em políticas públicas para a mitigação da miséria.
A nova reforma da previdência (Emenda Constitucional nº 103, de 2019), o subfinanciamento do SUS e o contingente de desalentados, subempregados e precarizados incluídos no auxílio-emergencial, colocam em questão o esgotamento da concepção constitucionalizada, bem como a ausência da concepção de Seguridade Social que defendemos. Nossa categoria não pode se restringir à pauta corporativa, fazendo da luta por salário e condições de trabalho um fim em si mesmo. A construção de um novo paradigma para a Seguridade Social brasileira deve ser nossa tarefa coletiva.
As lutas da classe trabalhadora brasileira, historicamente, forjaram a necessidade da organização por ramo de atividade econômica, unificando as lutas comuns de diferentes categorias de trabalhadores, mas afins no seu papel no mundo do trabalho, cuja mobilização foi potencializada e grandes greves arrancaram vitórias históricas para a classe trabalhadora. Esse foi o nascente movimento sindical brasileiro, cuja trajetória foi desviada com o sindicalismo oficialista da Era Vargas, prevalecente até os nossos dias. A retomada das mobilizações de massa, no final dos anos 1970, modelou o Novo Sindicalismo, que resgatou a proposta de atuação por ramo, atualmente apenas existente na superestrutura do sindicalismo.
A proibição da sindicalização dos servidores públicos não impediu a fundação de organizações, como clubes recreativos e associações, com atuação e características sindicais, mesmo sem a formalidade jurídica. A partir da CF88, quando conseguimos ter nossas próprias entidades sindicais, houve a formalização ou a transformação das estruturas existentes em sindicatos. A fundação da FENASPS se deu na época do SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), congruente à conformação do ramo da Seguridade Social na CUT (Central Única dos Trabalhadores), quando conviviam sob a mesma diretriz estatal o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), o IAPAS (Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social), a LBA (Fundação Legião Brasileira de Assistência) e outras entidades públicas congêneres. A base do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) foi incorporada à FENASPS, e a alguns sindicatos, numa fusão desse ministério com o da Previdência e Assistência Social, nos anos 1990.
Efetivamente, não existe nenhum sindicato por ramo de atividade econômica no Brasil, tanto devido à reclamada perda da identidade profissional, no caso de profissões regulamentadas, quanto pelas disputas internas que impediram a unificação de sindicatos de mesma categoria, no ascenso do Novo Sindicalismo. O caso do ramo da Seguridade Social é uma das evidências para comprovar essa assertiva, na qual coexistem sindicatos, federações e confederações que congregam a base da saúde ou da assistência social em diferentes esferas de governo (municipal, estadual e federal), assim como há estados nos quais existem apenas o sindicato estadual de trabalhadores do serviço público federal. O ramo da Seguridade Social, infelizmente, é uma ficção. Somente a manutenção de aparatos pela burocracia sindical justificaria sua reivindicação?
A história demonstra que apenas reivindicar o ramo da Seguridade Social na lógica corporativa não significa atuar sobre suas políticas públicas, mas ficaremos em apenas 2 exemplos sobre suas consequências: 1) A descentralização da saúde pública com o SUS (Sistema Único de Saúde), deixou gradativamente os trabalhadores da base da FENASPS sem contato e atuação sobre a efetividade do serviço público para a população, com exceções cada vez mais escassas dentre os colegas que foram cedidos, ou daqueles nos poucos hospitais sob controle federal, raros dentre tantas terceirizações e quarteirizações, colocando algumas das atividades dos colegas do Ministério da Saúde em extinção; 2) O gradativo esvaziamento de atribuições do INSS, seja pela retirada de atribuições (procuradoria, arrecadação e perícia médica), ou atualmente com a restrição do atendimento ao público, com transferência do ônus da instrução processual ao segurado e a consequente terceirização indireta das atividades para atravessadores, colocam o órgão sob ameaça de existência. Ou seja, falar em atuação no ramo e pautar exclusivamente a pauta econômica têm sido a ruína das carreiras da nossa categoria, além de abrir um grande flanco ao oportunismo de entidades específicas e pelegas (tanto as existentes, quanto às possivelmente vindouras), afastadas do debate sobre qual o projeto de Seguridade Social defendida pelos trabalhadores da nossa categoria.
A premissa de fortalecimento das lutas com a atuação por ramo de atividade econômica ainda é válida, a despeito do utilitarismo dado pelas direções sindicais. A integralidade e a integração das políticas públicas de seguridade social são chave para o fortalecimento das carreiras no ramo da Seguridade Social, mesmo sendo um terreno no qual a FENASPS e entidades equivalentes estiveram historicamente ausentes ou ineptas. Precisamos incidir sobre o debate do direcionamento da maior parcela do Orçamento Geral da União (exclusive os régios juros e amortizações da dívida pública), influenciando diretamente para uma Previdência Social sob controle dos trabalhadores, um financiamento adequado do SUS e uma Assistência Social capaz de eliminar a vulnerabilidade econômica, por meio de uma renda básica universalizada.
A implantação dos serviços de assistência à saúde destinados aos servidores públicos remontam ao “Estado Novo”. Em 1945, foi instituída a Assistência Patronal exclusivamente aos funcionários do IAPI e assim permaneceu até 1966, quando da unificação dos institutos (IAPI, IAPB, IAPC, IPASE, IAPM, etc), foi estendida a todos os servidores estatutários do INPS. Em 1973, foram incluídos na qualidade de assistidos, o servidor ativo ou inativo do INPS, ou seu pensionista; a esposa ou companheira; o marido inválido; os filhos menores de 21 anos; a mãe e o pai inválidos. Em 1974, foi instituído o Plano de Pecúlio Facultativo, aos servidores já inscritos na assistência de saúde, sendo estendida, em 1977, aos servidores do regime trabalhista e demais entidades do SINPAS, passando a ser subordinada ao MPAS.
Em 1989, foi constituída a identidade como conhecemos a GEAP (originalmente denominada de Grupo Executivo de Assistência Patronal), com a finalidade de gerir o Fundo de Assistência Patronal (FAP) e garantir o custeio das despesas com assistência médica, odontológica e social aos servidores ativos e aposentados das entidades do SINPAS e respectivos dependentes. Em 1990, foi alterada a configuração para GEAP - Fundação de Seguridade Social, entidade fechada de previdência complementar, deixando de ser órgão público, adquirindo natureza de entidade de direito privado, constituída sob a forma de fundação, reconhecida como sucessora da Assistência Patronal, neste momento atendendo, por meio de convênios, 19 órgãos e entidades vinculados à Administração Pública Federal.
Em 2004, a ANS reconhece a GEAP como operadora de planos privados de assistência à saúde e classificada na modalidade de autogestão, reclassificando em 2005, a permissão para operação e a classificação da GEAP na modalidade de autogestão multipatrocinada em saúde. Em 2013, houve a separação das atividades de saúde e previdência, com a criação de duas instituições independentes: a Geap Autogestão em Saúde e a Fundação GEAP Previdência.
Desde então, sucessivos aumentos abusivos acarretaram drástica redução do número de beneficiários de 564.306 em 03/2016, para 282.758 em 06/2023. A redução à metade dos beneficiários em 7 anos é reflexo da falência do modelo de salário indireto pago na forma de um benefício assistencial médico-hospitalar alternativo ao SUS, como é comum nas empresas. O histórico de baixas remunerações no serviço público federal tornou a GEAP um “plus” no salário, pois permitiria incluir todos os seus dependentes no mesmo plano de saúde, o que ampliava o poder aquisitivo da remuneração.
A partir de 1990 (Art. 230, Lei nº 8.112), os serviços de assistência à saúde, destinados aos servidores públicos ativos ou inativos, e de sua família, poderia ser prestada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou diretamente pelo órgão ou entidade ao qual estiver vinculado o servidor, ou, ainda, mediante convênio ou contrato, formas estabelecidas somente com a edição, em 2004, do regulamento. Com a normatização do MPOG em 2006, passou a ser possível a concessão de auxílio indenizatório para planos de saúde conveniados, abrindo mais um filão para sindicatos e associações que vivem do assistencialismo.
Entre os motivos, para o não-reconhecimento das entidades sindicais como instrumentos para organização e potencialização da luta da classe trabalhadora, está a opção das direções sindicais em transformar os sindicatos em um clube de serviços e extensão dos escritórios de advocacia, com casos como o de Santa Catarina, no qual o sindicato se tornou promotor de Plano de Saúde Associativo (UNIMED). Ou seja, existe uma evidente contradição quando uma categoria formada por trabalhadores da seguridade social não faz uso dos serviços e políticas de saúde que atuam. Diante da derrocada da GEAP a alternativa política é a defesa e fortalecimento do SUS e a implantação de uma efetiva política de saúde do trabalhador no serviço público, seja ativo ou aposentado.
Após 62 dias, encerrada em 23 de maio de 2022, a Greve do INSS foi exemplo de luta e resistência para o Serviço Público Federal (SPF), tanto pela sua radicalidade, com ocupações de unidades administrativas, quanto pelo enfrentamento ao produtivismo da lógica neoliberal de Estado. Os avanços incluídos no Acordo de Greve ainda não estão consolidados e dependem da nossa pressão para se efetivarem, mas um balanço é necessário para compreendermos até onde conseguimos avançar e em qual cenário.
Os ensaios para uma Greve Unificada no SPF e sua inviabilidade são reflexos da crise do sindicalismo brasileiro: fóruns de acesso exclusivo das direções sindicais, ou seja, sem construção nas bases das categorias; atos distantes dos locais de trabalho, em regra, exclusivamente com a representação oficial das entidades sindicais se deslocando para Brasília; e, contando com a sabotagem das grandes centrais sindicais que aguardam o próximo governo Lula para reeditar a atuação subalterna aos governos.
A atuação da base do INSS, uma nova vanguarda que vem sendo forjada nas Greves de 2009, de 2015 e de 2022, foi fundamental para se sobrepor à linha majoritária na FENASPS, que somente considerava a deflagração do movimento com a adesão das entidades do FONASEFE (Fórum Nacional dos Servidores Federais) e FONACATE (Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado), não por acaso, somente o INSS entrou em greve desde o início. Mesmo estados com peso na saúde federal (RJ e DF) não conseguiram romper o bloqueio das direções da CNTSS, com o avanço das negociações, colegas do extinto MTE se incorporaram ao movimento, mas esse conjunto de setores (previdência, saúde e trabalho) estão longe de representar uma greve unificada do SPF.
A degradação das condições de trabalho no INSS, com o império do produtivismo e o assédio institucionalizado por metas, somado à defasagem salarial e a perspectiva de proteger a carreira contra a PEC 32 com a Carreira Típica de Estado, incentivaram vários setores da categoria para a greve, mesmo com as condições adversas da realidade pandêmica e dos retrocessos do governo Bolsonaro. O distanciamento com o teletrabalho e as medidas sanitárias, resultando em locais de trabalho esvaziados, foram um dificultador para a mobilização, superado em parte com o uso de meios digitais, teve força principalmente devido à adesão dos quadros mais qualificados nas atividades finalísticas da instituição.
A adesão aferida com os registros do SISREF, disponibilizados no portal de dados abertos, revelou uma adesão absoluta de 20,21% da categoria, cuja dedução de possíveis impedimentos (ocupantes de cargos em comissão e funções gratificadas, servidores pendentes de realização de perícia médica e codificados como grupo de risco), permite concluir a adesão líquida de 29,3% dos servidores do INSS à greve. O movimento foi massivo e de base, mesmo em situações adversa como na Bahia (42,56%), onde a direção sindical atuava na desmobilização, e no Ceará (66,11%) com uma direção mista entre a vanguarda do movimento (com maioria do coletivo Mudança e Renovação) e a linha derrotista da CNTSS (representada pelo “consórcio de sindicatos da CUT”), todos dados que corroboram o protagonismo da base no processo de mobilização.
A Greve do INSS de 2015 foi a mais recente das grandes greves na memória da categoria, dada a adesão massiva e um grande número de agências fechadas. As condições para a mobilização em 2022 foram bem diferentes, tanto em razão da pandemia, com 18% dos servidores reconhecidos pelo governo como grupo de risco, quanto pela condição de teletrabalho e, por consequência, locais de trabalho esvaziados. Entretanto, o impacto na redução de requerimentos de benefícios concluídos chegou a 29,64% em 04/2022, ou seja, a abertura de negociação não foi uma graça do governo, mas a força do movimento. A comparação com a greve na perícia médica é necessária para compreendermos também que não foi o lobby da ANMP que trouxe avanços, mas a adesão da categoria de médicos previdenciários, que reduziu em 41,67% a conclusão de benefícios por incapacidade também em 04/2022.
O movimento paredista, mesmo com as adversidades, imprimiu uma importante derrota para o governo Bolsonaro, que não havia enfrentado nenhuma greve no SPF de abrangência nacional. Sobretudo, o quadro de servidores do INSS voltou a se identificar enquanto uma categoria, tornando os avanços do Acordo de Greve ainda mais representativos da atual condição da luta, onde os avanços podem ser divididos entre corporativos (tabela de incorporação de parte da GDASS no Vencimento Básico) e políticos: o comitê permanente de discussão dos processos de trabalho, o fim do adicional de produtividade para teletrabalho, a devolução do corte de salário da Greve de 2009, o reconhecimento da Carreira do Seguro Social como Típica de Estado e a elevação para o acesso ao cargo de Técnico do Seguro Social para o nível superior de escolaridade.
A contragosto da maioria formal na FENASPS, a pauta com maior apelo na base foi a Carreira Típica de Estado, verdadeiro marco na disputa para uma Previdência Social eminentemente pública e uma tática de resistência ao Estado neoliberal e a contrarreforma proposta por Paulo Guedes para a administração pública (PEC 32). As tergiversações da direção majoritária da FENASPS variaram entre colocar em oposição ativos e aposentados, até o nível de considerar a pauta uma gourmetização ou glamourização da carreira, uma desonestidade intelectual sem precedentes, mas aplacada pela consciência da vanguarda da greve, que expressou nos fóruns e nas mobilizações a necessidade de uma perspectiva para a existência do INSS.
A conversão do Comando de Greve em Comando de Mobilização, repercutiu na desmobilização e esvaziamento dos fóruns construídos no processo de greve. Em ambos os casos, a direção formal tratou de bloquear qualquer debate sobre o avanço das negociações com o governo sobre o Acordo de Greve, a partir de informes paroquiais, restringindo as atividades aos poucos liberados em mandatos classistas a expressão de um movimento mais amplo, fazendo de conta de que quem está em Brasília a serviço das direções representa as diferentes expressões da categoria a priori. Para exemplificar, os comitês de discussão dos processos de trabalho foram ocupados majoritariamente por dirigentes sindicais distanciados do mundo do trabalho há anos, que tentam retratar a atuação como uma tarefa da qual a base não é capaz de compreender e cumprir.
Dentre os avanços conquistados no Acordo de Greve, a consolidação dos avanços financeiros é a menos considerada nas novas tratativas com o governo, uma pauta secundarizada às formas de efetivação da LDO e seu alcance parlamentar, o que é outro erro crasso das direções, pois parecem apostar na pauperização da categoria como instrumento para manutenção do aparelho sindical. Infelizmente, não compreendem que mais da metade da categoria está no último nível da carreira, ou seja, sequer a progressão é uma forma de compensar parcialmente a defasagem salarial.
Nossa greve foi além das melhores perspectivas para um enfrentamento daquele governo, conseguindo formalizar compromissos econômicos e políticos, mas está muito longe da efetivação. Nos falta, entre outras coisas, o diálogo com setores organizados da classe trabalhadora para um política pública de previdência, o avanço na carreira enquanto uma necessidade para operarmos a principal distribuição de renda no Estado brasileiro e, fundamentalmente, é necessária uma nova perspectiva de organização da categoria para romper o ciclo vicioso das burocracias sindicais.
Depois de 11 anos sem disputa, em 2022, participamos da Chapa que ousou organizar a primeira Oposição no SINDPREVS-SC. Única chapa de oposição, sem vínculo com as burocracias sindicais, dentre todos os 22 sindicatos estaduais na base da FENASPS, pelo menos desde 2015. Para desgosto das direções estabelecidas, que unificaram o coro para atacar essa iniciativa de base.
Como na maioria dos sindicatos estaduais, o processo de eleição no SINDPREVS-SC inicia bem antes da escolha das chapas, partindo de uma tradição sedimentada no movimento sindical, o Congresso Estadual é o momento no qual são apresentadas teses e onde são inscritas as chapas para uma eleição direta, em tese, um momento para que hajam disputas de opinião e a divergência resulte em chapas diferentes, caso a divergência se instaure.
Apresentamos uma tese ao 10º Congresso do SINDPREVS-SC, que aconteceu após uma Greve no INSS, um enfrentamento aberto ao governo Bolsonaro, como poucas categorias fizeram, no qual a pauta corporativa prevaleceu a despeito da pauta política evidente. As contradições do mundo do trabalho, a falta de diálogo sobre a política pública e a defasagem salarial foram motores para uma mobilização sublimada pela burocracia sindical, distante da realidade da classe e resumida a auto-validação entre seus pares.
Dentro de um processo viciado, sem debate de ideias, mas circunscrito ao alcance da burocracia sindical, desafiamos o status quo ao apresentar, dentro das nossas possibilidades, uma tese concisa de análise de conjuntura, de balanço da greve, de reflexão sobre a política pública de seguridade social, de retrospectiva e perspectiva do movimento sindical e pensando nossa atuação sobre a realidade concreta. Por si, isso deixou em xeque o amontoado de divagações reunidas na tese da atual direção do SINDPREVS-SC, pois sua incapacidade de tentar dialogar com o mundo do trabalho lhes fez refém de generalismos sobre as várias notas para juntar num texto que foi chamado de tese.
O processo para delegação no Congresso Estadual coloca, novamente, em xeque a legitimidade da direção atual, quando comparamos Itá (9º Congresso) com cerca de 400 delegados e agora (nos Ingleses/Floripa) com menos de 200 delegados. Sem nenhuma modificação estatutária, se reduziu à metade o quórum mais importante do ponto de vista estatutário. Na nossa percepção, reflete diretamente o esvaziamento da base de ativistas, de trabalhadoras e de trabalhadores, que deixaram de participar dos espaços de debate e construção pela ilegitimidade e viciamento do processo.
Diante dessa farsa colocada, conseguimos fazer os diálogos necessários para reunir ativistas dispostos a enfrentar uma direção sem legitimidade na base, uma direção que não reconhece as contradições do mundo do trabalho, nem tem capacidade de perceber suas limitações sobre o associativismo das GEAP, Viva Prev e etcéteras.
Podemos afirmar que, pela primeira vez, uma oposição orgânica não pautada pelas experiências negativas na composição com a direção, um primeiro experimento de diferença objetiva sobre a luta de classes, foi apresentada. Uma Chapa de Oposição sem pedir autorização para nenhuma das correntes políticas estabelecidas na FENASPS, com o vacilo da minoria e a atuação direta da maioria na federação para garantir seus pares.
O processo eleitoral formalmente, no mínimo, foi pífio. Não é sobre a dedicação das companheiras que estiveram à frente da comissão eleitoral, mas sobre a falta de critérios objetivos. Do ponto de vista formal, poderíamos questionar todo o processo eleitoral, não apenas impugnar algumas urnas, mas demandar a anulação da eleição. Além da falta de uniformização de procedimentos (não havia ata de abertura, por exemplo), houveram urnas onde não havia mais local de trabalho, ou em ambientes particulares (consultório e condomínio), foi legitimado o voto em dobro para filiados com duas matrículas, dentre outras temeridades. O tratamento desigual dentre as chapas também foi evidente com a negativa de acesso aos contatos de telefone e e-mail dos filiados, a pretexto da LGPD.
Sabemos de todas as calúnias, injúrias e difamações utilizadas pela atual direção. Também sabemos do assédio institucional utilizado. Sobre isso: a prática é critério de verdade. A atual direção está rendida pela mentira que fizeram. Nós continuamos atuando na prática. Duvidamos da capacidade de mobilização que possam fazer, pois nosso maior respaldo está no mundo do trabalho.
Percorremos todos os locais de trabalho, do INSS, da ANVISA e do Ministério da Saúde. Não era uma conta matemática sobre quantos votos haveriam, mas sobre dialogar com a categoria. Sabemos da subfiliação dentre ativos dos diferentes órgãos que compõem nossa base, mas não conseguimos dialogar fortemente com aposentados. Na nossa autocrítica está contido exatamente isso: não conseguimos chegar aos aposentados. Poderíamos dizer que foi por não ter sido permitido nosso acesso aos contatos, o que é verdade, mas é além disso: não temos uma política para a maior parte da base do sindicato e não conseguimos combater a picaretagem que é feita. Ou seja, não conseguiram nos intimidar e estaremos no 16º CONFENASPS para construir uma oposição à esquerda do campo majoritário.
Apresentamos uma proposta de plataforma político-sindical com eixos que servem como objetivos: a transformação social, as mudanças no mundo do trabalho, as demandas corporativas e a atuação/organização sindical.
Taxar as grandes fortunas;
Rever a tabela do Imposto de Renda, reduzindo a incidência sobre o trabalho assalariado;
Instituir uma renda básica universal;
Revogar a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017)
Revogar o “teto de gastos” (EC nº 95/2016) e enfrentar o “arcabouço fiscal” (PEC nº 45/2023);
Revogar as reformas da previdência (Emendas Constitucionais nº 20/1998, nº 41/2003, nº 70/2012 e nº 103/2019);
Construir uma concepção de Seguridade Social a serviço da classe trabalhadora;
Eliminar a expropriação de salário, zerando os juros de todos os contratos de crédito consignado vigentes, com a garantia do Estado como fiador;
Lutar pela redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução de salários, para toda a classe trabalhadora;
Enfrentar as propostas neoliberais de reforma administrativa;
Atuar por uma política de inclusão digital, fazendo frente à virtualização dos processos administrativos;
Tornar obrigatória a realização de Concurso Público quando as vacâncias superarem 5% do quadro de servidores;
Impedir o fechamento de locais de trabalho e reabrir a unidades fechadas, que prestam atendimento à população;
Combater as metas produtivistas no serviço público, estabelecendo parâmetros de valoração do trabalho por critérios estabelecidos pela categoria a serviço dos interesses da classe trabalhadora;
Repor integralmente a inflação. As carreiras da base da FENASPS, mesmo com os reajustes de 12% em 2012 e de 5% em 2015, tiveram reposição de 28%, em termos absolutos, menos de 1/3 da inflação acumulada de 100,87%, de 07/2011 até 07/2023;
Propor mecanismo constitucional de redução da desigualdade entre os maiores e menores salários do Executivo Federal, na qual a distância seja encurtada, recompondo também os proventos de aposentados e pensionistas;
Combater a estagnação funcional de progressão por tempo de serviço público, com a criação de novas classes e níveis;
Recompor a defasagem do quadro de servidores, que caminham para extinção das atividades do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério da Saúde na ANVISA e nos núcleos estaduais do MS e reduziu à metade o contingente do INSS;
Proteger de imediato a política pública de Previdência Social, com o reconhecimento da Carreira do Seguro Social como típica de Estado e elevação do nível de acesso para o ensino superior, conquistando isonomia entre os cargos existentes;
Conquistar adicional por titulação acadêmica e por formação profissional e institucional, reconhecendo financeiramente a aptidão adquirida para o serviço público;
Indicar servidores que atuam diretamente nas atividades para a composição de Comitês e Comissões das respectivas carreiras;
Obter indenização por utilização de meios próprios para o teletrabalho (equipamentos, insumos e serviços de energia e internet, etc.);
Impedir a imposição da realização de atividades remotas, a partir da decisão de cada setor da categoria;
Preparar dossiê sobre ergonomia e outras condições ambientais de trabalho para cobrar as adequações;
Rever os critérios de compensação da Greve de 2022;.
Debater amplamente a adesão da FENASPS a uma Central Sindical, ou entidade mais ampla da Classe Trabalhadora;
Formular e coordenar uma política continuada de formação sindical junto aos sindicatos estaduais;
Retomar a atuação sindical voltada à luta classista, em vez de clube de serviços e de benefícios no qual foram transformados os sindicatos estaduais;
Vedar mandatos classistas consecutivos, evitando a alienação da direção sindical;
Constituir comitês permanentes temáticos, para subsídio dos comitês nacionais.
A direção da FENASPS tem se mostrado cada vez mais burocratizada e distante da base, fator de desmobilização da categoria, por isso, uma federação sindical democrática é essencial para a defesa dos direitos dos trabalhadores da seguridade social. Tal burocratização é garantida com um baixo nível de democracia interna, que se materializa no funcionamento das demais instâncias, por isso, é necessário radicalizar a democracia.
Proposta 1: Reduzir o intervalo entre congressos, para que ocorra a cada 2 anos, em todos os anos ímpares, com data pré-estabelecida, vedada a prorrogação sem a concordância da base da categoria.
Os Congressos Nacionais, que deveriam ser trienais, foram realizados em intervalos muito superiores:
2004 - 13º CONFENASPS, Sumaré/SP
2010 - 14º CONFENASPS, Brasília/DF
2017 - 15º CONFENASPS, Serra Negra/SP
2023 - 16º CONFENASPS, Serra Negra/SP
A repercussão é a manutenção de direções e restrição da participação da base da categoria, desarticulando lutas. Não por acaso, nossas últimas Greves e mobilizações mais fortes estão tão espaçadas (2009, 2015 e 2022). Reduzir o intervalo dos CONFENASPS e torná-lo imperativo são motores para a organização da categoria e sua mobilização.
Redação Atual:
Art. 13. O Congresso Nacional da FENASPS, identificado pela sigla CONFENASPS, é instância deliberativa máxima da entidade, sendo realizado a cada 3 (três) anos.
Nova Redação:
Art. 13. O Congresso Nacional da FENASPS, identificado pela sigla CONFENASPS, é instância deliberativa máxima da entidade, sendo realizado a cada 2 (dois) anos.
§1º. O CONFENASPS será realizado na semana mais próxima ao dia 28 de outubro (dia do servidor público).
§2º O CONFENASPS será convocado ordinariamente em todos os anos ímpares.
§3º O adiamento do CONFENASPS somente poderá ser deliberado por meio de consulta direta à base da categoria, por meio eletrônico seguro e auditável.
Proposta 2: Simplificar a convocação do CONFENASPS e realizar as assembleias por local de trabalho somente após a apresentação de teses.
As teses congressuais apresentam as análises e proposições para o conjunto da categoria. Quando a eleição de delegados acontece antes da divulgação dessas, o debate nos locais de trabalho é personalizado em poucas figuras da direção sindical, impedindo o debate em igualdade de condições com os trabalhadores da base da categoria.
Redação Atual:
Art. 14. O Congresso da FENASPS será convocado pela Diretoria Executiva Colegiada da Federação ou, na falta desta, pela Plenária Nacional da entidade, com antecedência mínima de 90 (noventa) dias da data da sua realização, mediante ato a ser publicado nos veículos de comunicação mantidos pela entidade e correspondência a ser enviada a todas as entidades sindicais filiadas, através de Aviso de Recebimento (AR).
Nova Redação:
Art. 14. O Congresso da FENASPS será convocado pela Diretoria Executiva Colegiada da Federação ou, na falta desta, pela Plenária Nacional da entidade, com antecedência mínima de 120 (noventa) dias da data da sua realização, mediante edital publicado no Diário Oficial da União (DOU).
(...)
§4º. Serão recebidas teses nos primeiros 30 (trinta) dias do prazo previsto no caput, por meio de plataforma online para serem reproduzidas e publicadas no site da FENASPS.
§5º. Findo o prazo de apresentação de teses serão iniciadas as assembleias por local de trabalho para eleição de delegados.
Proposta 3: Proporcionar transparência e permitir a auto-organização da base para realização de assembleias de base para o CONFENASPS.
Nossa categoria conta com milhares de locais de trabalho em todo o Brasil (Agências, Gerências e SR do INSS, unidades da ANVISA, do MTE e unidades de atendimento ou gerenciamento da saúde pública), logo, é irracional pensarmos que os 40 diretores são suficientes para cobrir todas. Com critérios transparentes é possível ampliarmos nossa capacidade de mobilização com a auto-organização dos locais de trabalho, inclusive nos casos de inexistir sindicato estadual organizado, ou estes se omitirem na atuação junto à FENASPS.
Redação Atual:
Art. 15.
(...)
§2º. As assembleias por locais de trabalho, convocadas na forma do Inciso III, deste artigo, deverão contar com a presença de pelo menos 1 (um) representante oficial da FENASPS, designado pela DEN.
Nova Redação:
Art. 15.
(...)
§2º. As assembleias por local de trabalho, serão convocadas com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência e comunicadas, no mesmo prazo, através de formulário online na plataforma que fará a divulgação pelo site da FENASPS.
§2º-A. Nos locais de trabalho onde a entidade sindical filiada não convoque assembleia em até 60 (sessenta) dias da publicação da convocatória do CONFENASPS, ou onde inexista entidade sindical filiada, uma comissão de 3 (três) trabalhadores da base da seguridade social poderá convocá-la, cadastrando com antecedência de 15 (quinze) dias a comissão, a data e o horário da assembleia no formulário online divulgado no site da FENASPS.
Proposta 4: Ampliar o quórum da Plenária Nacional da FENASPS, refletindo a participação da base e permitindo a auto-organização nos casos de ausência ou inação das direções sindicais.
O modelo atual não considera a mobilização na base, estipulando uma representação fixa por UF, mas ignorando o quórum de tais fóruns. A proposta valoriza e incentiva a mobilização para as assembleias gerais nos estados, estimulando maior participação da categoria nos debates de base.
Redação Atual:
Art. 21. A Plenária Nacional da FENASPS é composta:
I - por 1 (um/uma) representante da diretoria de cada entidade sindical filiada, desde que esta convoque assembleia geral para eleição de delegados de base, conforme previsto no Inciso III deste artigo;
II - pelos diretores titulares, integrantes da Diretoria Executiva Colegiada da FENASPS;
III - por delegados(as) de base, eleitos em assembleia geral convocada pela entidade sindical filiada, observadas as proporções previstas na Tabela abaixo:
Nº de servidores(as) lotados(as) no Estado Nº de delegados (as)
Até 1.000 03
De 1.001 até 3.000 04
De 3.001 até 6.000 05
De 6.001 até 12.000 06
De 12.001 até 25.000 07
De 25.001 até 50.000 08
Acima de 50.000 09
§1º. Caso inexista entidade sindical filiada ou esta decida não convocar a assembleia geral de que trata o Inciso III, deste artigo, esta eleição ocorrerá em assembleia geral convocada pela categoria, caso em que estas deverá contar com a presença de pelo menos 1 (um/uma) representante oficial da FENASPS, observados os mesmo critérios previstos no Inciso III deste artigo;
Nova Redação:
Art. 21. (inalterado)
I - (inalterado);
II - pelos diretores titulares e suplentes, integrantes da Diretoria Executiva Colegiada da FENASPS;
III - por delegados(as) de base, eleitos em assembleia geral convocada pela entidade sindical filiada, na proporção de 1 (um) para cada 10 (dez) presentes, admitida a fração igual ou superior a 5 (cinco).
§1º. Caso inexista entidade sindical filiada, ou esta decida não convocar a assembleia geral de que trata o Inciso III, a eleição ocorrerá em assembleia geral convocada pela categoria com antecedência de 10 (dez) dias, sendo obrigação da DEC enviar representante oficial da FENASPS, sem prejuízo do seu não comparecimento, observados os mesmo critérios previstos no Inciso III deste artigo.